BC pretende lanar plataforma que conecta de forma direta, sem intermedirios, diferentes bancos, empresas e pessoas; sistema deve ser o mesmo usado para criptomoedas (Ana Luiza de Carvalho)

O Banco Central anunciou que deve lanar em novembro de 2020 um sistema de pagamentos instantneos. O assunto j era ventilado pela instituio desde dezembro de 2018, quando o BC emitiu comunicado estabelecendo parmetros para o chamado ecossistema de pagamentos instantneos brasileiro.

objetivo da instituio substituir, gradualmente, o uso de ferramentas como Transferncia Eletrnica Disponvel (TED) e Documento de Ordem de Crdito (DOC), que tm compensao mais lenta e altos custos. Uma das possibilidades criar um nome de usurio para cada pessoa —que pode ser um ou o prprio nmero de F do cliente. Isso acaba com a exigncia de inserir, a cada transferncia realizada, dados como nome completo, F, nmero de banco e de agncia.

Outra possibilidade do sistema de pagamentos a subsitutio de cartes de crdito. A compra ser realizada por leitura de QR Code pelos celulares, seguindo a tendncia mundial. Aps a leitura do cdigo, o cliente deve autorizar a transao pelo aparelho. A autorizao pode ser feita por meio de identificao biomtrica, com leitura da digital dos dedos, ou por uma selfie. Se o sistema reconhecer que a operao legtima, o dinheiro enviado em poucos segundos ao vendedor ou prestador de servio.

A plataforma deve funcionar com base no blockchain, uma ferramenta que utilizada no universo das criptomoedas mas que est, aos poucos, sendo levada para as instituies financeiras.

O blockchain — ou cadeia de dados, em traduo literal — uma plataforma eletrnica que funciona como um livro de registros de transaes financeiras ou informaes de forma geral. Todas as instituies inseridas na cadeia tm o s informaes compartilhadas pelas integrantes, sem necessidade de um intermedirio. A base de dados descentralizada, ou seja, alimentada e hospedada por todos os participantes. Enquanto houver pelo menos um integrante na cadeia, as informaes esto armazenadas e no podem ser alteradas.

De acordo com o Banco Central, o desenvolvimento da base de dados deve custar aproximadamente R$ 4,3 milhes, enquanto a manuteno est estimada em R$ 1,2 milho ao ano. Em abril de 2019, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que a implantao de um ecossistema para pagamentos instantneos estava "prxima de ocorrer".

Entenda o que o sistema de pagamentos instantneos e quais as aplicaes do blockchain no sistema financeiro:

Como funciona o sistema de pagamentos instantneos
Em transferncias bancrias convencionais entre diferentes instituies, o valor reado de forma indireta pelo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Esse o caso da Transferncia Eletrnica Disponvel (Ted) e do Documento de Ordem de Crdito (Doc). Alm de terem custos relativamente altos — um Doc pode custar R$ 10,50 —, as duas modalidades dependem do expediente bancrio e podem ser compensadas apenas no dia til subsequente, dependendo do horrio da transao.

O mesmo se aplica s transaes que envolvem carto de crdito. As instituies responsveis pelas maquininhas e pelas bandeiras dos cartes atuam como intermedirias. No caso de compras parceladas, por exemplo, o lojista recebe o pagamento da bandeira do carto. Caso o cliente no pague a fatura, a dvida, portanto, no com o comrcio: com a operadora.

No sistema de pagamentos instantneos, porm, os valores so transferidos em poucos segundos diretamente ao destinatrio e o sistema funciona de forma ininterrupta, 24 horas por dia 7 dias por semana. Alm disso, cada instituio tem uma identificao prpria no sistema financeiro, como um . Isso pode ser um QR Code, um nome de usurio ou o prprio F da pessoa ou CNPJ da instituio. Com isso, no necessrio memorizar ou anotar dados bancrios para realizar uma transao.

A fintech brasileira Spin Pay, criada em julho de 2018, deve lanar no fim de outubro a primeira plataforma de pagamentos instantneos do Brasil, eliminando a necessidade de usar cartes para realizar compras no comrcio eletrnico.

De acordo com Alan Chusid, co-criador da Spin Pay, o pagamento por meio de QR Code j uma realidade no Brasil. Ele afirma que o problema que no h uma padronizao dos cdigos, impedindo transaes entre diferentes atores do mercado. "O QR Code do Nubank no conversa com o do Ita, que no conversam com os outros. s entre a mesma instituio", explica. A novidade que os cdigos devem funcionar de forma unificada entre todos os atores do sistema financeiro, como bancos, pessoas fsicas e comerciantes.

A fintech no se trata de um novo aplicativo ou carteira digital, em que necessrio depositar valores para realizar as compras: a empresa ser responsvel pelo desenvolvimento do sistema, que enviar notificaes nos aplicativos dos prprios bancos para que o cliente autorize a transao comercial.

Chusid afirma que por questes estratgicas ainda no possvel divulgar quais sero as empresas parceiras, mas diz que a rede inclui pelo menos 30 empresas, entre “varejistas de setor areo, de transporte, de moda, alimentao, mobilidade e alguns dos principais bancos digitais do Brasil”.

O principal financiador da fintech o Canary, fundo paulistano criado com recursos de gigantes da tecnologia como Instagram, Nubank e 99 que ajuda empresas a enfrentarem o chamado ‘vale da morte’, perodo entre a captao de um investidor anjo e a primeira rodada de capital de risco.

O Canary foi fundado em janeiro de 2017 e, no primeiro ano de funcionamento, investiu mais de R$ 160 milhes em pelo menos vinte startups brasileiras, como a Volanty, que faz compra e venda de carros usados, e a Social Miners, que atua na anlise de dados de e-commerce.

Alan Chusid acredita, porm, que a curto prazo a criao de um Sistema de Pagamentos Instantneos no deve significar a imediata queda de arrecadao dos bancos e financeiras. "Carto no vai morrer, Ted no vai morrer, pelo menos por enquanto", imagina.

Para ele, o lento avano das tecnologias do sistema financeiro se deve hegemonia de instituies tradicionais na rea. "O problema que toda a infraestrutura bsica transacional, todos os produtos de cartes a boletos e saques, eram dos cinco grandes bancos. Os pequenos sempre esto usando as solues dos grandes", explica.

Rede Blockchain do Sistema Financeiro Nacional
De acordo com uma pesquisa divulgada pela PwC em 2018, at 2030 de 10% a 20% dos processos econmicos em todo o mundo sero processados em cadeias de blockchain.

No Brasil, a transio para o modelo j teve incio tambm nas instituies bancrias ditas tradicionais. A Federao Brasileira das Associaes de Bancos (Febraban) lanou em junho deste ano a Rede Blockchain do Sistema Financeiro Nacional, parceria com a Cmara Interbancria de Pagamentos (CIP) que conta com a presena de empresas como Bradesco, Banco do Brasil e Sicoob.

Joaquim Kiyoshi Kavakama, superintendente geral da CIP, explica que em 2016 a Comisso de Tecnologia da Febraban criou um grupo de trabalho para discutir a questo e, em junho de 2019, a ferramenta Device ID entrou em funcionamento. O servio uma rede de compartilhamento de informaes sobre dispositivos mveis Quando um cliente tiver seu celular perdido ou roubado, por exemplo, pode comunicar a uma das instituies financeiras.

O grupo formado pela Febraban e pela CIP tambm estuda criar um sistema semelhante a dos pagamentos instantneos. “Quando um banco ou uma instituio de pagamentos faz o cadastro do cliente e publica isso numa rede blockchain, todas as instituies j tm disposio para onde vai fazer aquele pagamento”, explica.

Outra possibilidade o uso do blockchain para remessas internacionais. Esse tipo de transao financeira pode levar dias ou at semanas para ser concretizada no sistema de compensao convencional, em que o dinheiro vai sendo reado por bancos intermedirios at chegar ao local de destino. (Fonte: Estado)